Com a palavra, os especialistas

Por Amália Safatle
Que contribuição os especialistas em conservação podem dar à reparação de grandes desastres ambientais? Além do conhecimento técnico, são capazes de proporcionar um espaço neutro onde várias partes interessadas – incluindo governos, ONGs, cientistas, empresas, comunidades locais, organizações de povos indígenas e outras – trabalham juntas para gerar e implementar soluções.
É o que procuram fazer os Painéis Independentes de Assessoria Técnica e Científica da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), entidade que possui 1.300 organizações associadas e cerca de 13.000 especialistas. Um deles é o Painel do Rio Doce, do qual se esperam recomendações objetivas sobre os esforços de recuperação na região impactada pelo desastre de Mariana.
“O objetivo do Painel não é apenas restaurar a paisagem à sua condição anterior, mas também garantir sua maior sustentabilidade e produtividade para as gerações futuras”, diz Stewart Maginnis*, diretor global do Grupo de Soluções baseadas na Natureza na UICN. Leia entrevista concedida por e-mail à dois pontos:
*Stewart Maginnis é o diretor global do Grupo de Soluções baseadas na Natureza, responsável pelo trabalho da UICN nas áreas de Gestão de Ecossistemas, Florestas, Recursos Hídricos, Gênero, Política Social, Economia e Negócios & Biodiversidade.
O que são os painéis independentes da UICN e quais seus objetivos?
Stewart Maginnis: Os Painéis Independentes de Assessoria Técnica e Científica (ISTAPs, do inglês Independent Scientific and Technical Advisory Panels) são uma das abordagens adotadas pela UICN para prestar serviços confiáveis e robustos de consultoria a terceiros, atividade que faz parte dos esforços da UICN em sua missão de conservar a natureza.
As empresas e governos muitas vezes enfrentam grandes dificuldades relacionadas a questões de conservação e desenvolvimento. Os credores financeiros também estão cada vez mais cientes das regras e riscos relacionados a projetos dessa natureza, além das preocupações das comunidades impactadas e da sociedade civil de modo geral.
Os ISTAPs podem ajudar a reduzir os impactos de projetos sobre a natureza e identificar novas soluções capazes de gerar resultados positivos em termos de desenvolvimento e conservação. No entanto, esses painéis não substituem a resolução de conflitos.
Após o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão em 2015, o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta para a recuperação da Bacia do Rio Doce (que criou a Fundação Renova) previu que o trabalho da Fundação passasse por uma revisão independente. Foi solicitado à UICN que propusesse um modelo capaz de apresentar à Fundação recomendações objetivas sobre os esforços de recuperação. A UICN acredita que seu painel transdisciplinar de especialistas dispõe das habilidades necessárias para informar as ações de recuperação e reabilitação de médio a longo prazo na região.
Como o Painel do Rio Doce funciona?
SM: Assim como ocorre em outros ISTAPs, o Painel do Rio Doce faz uma avaliação crítica das evidências relevantes e dos planos atuais e identifica as áreas carentes de mais pesquisa e aprimoramento.
No caso deste Painel, os membros realizam visitas de campo periodicamente e reveem as análises técnicas e outros esforços de restauração. Em seguida, tece recomendações à Fundação Renova, que são divulgadas publicamente e compartilhadas com todas as partes interessadas. Todas as recomendações, além de todo o trabalho do Painel, são publicadas em inglês e português e estão disponíveis em seu site.
Em que outros casos a UICN recorreu à formação de ISTAPs?
SM: As recomendações dos painéis liderados pela UICN também tiveram um impacto importante em outros locais. No Delta do Níger, por exemplo, a UICN liderou um painel durante cinco anos (de 2012 a 2017), a pedido da Shell Nigéria, para supervisionar a remediação e reabilitação dos habitats de biodiversidade afetados por derramamentos de óleo no Delta. O painel influenciou não apenas os planos da empresa, mas também as políticas e práticas do setor na região.
Outro exemplo é o Painel Independente de Assessoria Técnica e Científica das Baleias Cinzentas Ocidentais, que assessora a Sakhalin Energy desde 2004 sobre as medidas adotadas pela empresa para reduzir os riscos a esse mamífero marinho ameaçado de extinção. O diálogo sempre foi ativo, com um histórico de grandes vitórias para a conservação da natureza.
Que resultados e impactos os painéis já produziram?
SM: A abordagem dos ISTAPs traz diversos benefícios, desde a promoção de um entendimento mais detalhado das questões que envolvem as partes interessadas até a adoção exitosa de novas medidas e práticas em prol da biodiversidade. De modo geral, os painéis liderados pela UICN motivam as empresas a elevarem seus padrões, convencem outros atores a adotarem boas práticas e ajudam a promover a pesquisa científica.
Por exemplo, seguindo as recomendações do Painel do Delta do Níger, a empresa trabalhou em colaboração com órgãos regulatórios na Nigéria para desenvolver a Estrutura Baseada em Risco, destinada a gerir a contaminação do solo com base nas melhores práticas
internacionais. Graças ao trabalho do Painel Independente de Assessoria Técnica e Científica das Baleias Cinzentas Ocidentais, os cientistas agora têm um entendimento muito mais aprofundado da população de baleias cinzentas na região da Ilha Sakhalin, na Rússia, e têm observado, recentemente, um aumento lento (porém constante) da população. (para mais informações, consulte os relatórios Stories of Influence da UICN: Gray Whale Advisory Panel e Niger Delta Panel).
Como é feita a gestão dos painéis?
SM: Todos os ISTAPs sob a liderança da UICN seguem os mesmos quatro princípios – independência, transparência, responsabilização (accountability) e engajamento. No entanto, cada painel pode ter um escopo diferente e se concentrar em um conjunto específico de questões predefinidas relativas à conservação e gestão de recursos naturais, com clareza sobre a missão, os resultados esperados e o prazo acordado. Cada painel enfrenta questões específicas e diferentes dos demais.
Os procedimentos para garantir a transparência e a independência dos painéis devem ser definidos com antecedência. Os painéis podem servir como plataformas de coordenação e cooperação entre os atores, incentivando a colaboração entre ONGs, empresas e outras partes interessadas.
Qual é o diferencial do Painel do Rio Doce em relação aos demais?
SM: A função do Painel é fazer um grande apanhado dos conhecimentos já disponíveis e identificar a melhor forma de aplicá-los, visando contribuir para a saúde da bacia e de sua população a longo prazo.
O sistema de governança montado para administrar a recuperação da bacia é complexo. Inclui várias partes interessadas no âmbito do CIF, incluindo diversas Câmaras Técnicas, Comissões Locais, Comitês Internos, o Conselho Consultivo e o Conselho Curador. Ao todo, esses grupos contabilizam pelo menos 400 pessoas. Além deles, existem
muitos entes contratados e ONGs parceiras que ajudam a Renova a realizar muitos de seus projetos.
No caso do Rio Doce, que dificuldades enfrenta e quais contribuições espera dar?
SM: A UICN tem a convicção de que os especialistas do Painel do Rio Doce continuarão a tratar das questões mais oportunas e difíceis de resolver, ao mesmo tempo em que apresentam recomendações importantes e capazes de ser integradas aos programas da Renova e/ou adotadas pelas comunidades. O objetivo do Painel não é apenas restaurar a paisagem à sua condição anterior, mas também garantir sua maior sustentabilidade e produtividade para as gerações futuras.