Judicialização versus governança

Nesta entrevista à dois pontos, Onofre Alves Batista Júnior, professor de Direito Público da UFMG, conta como se optou pela criação de uma fundação.
O senhor participou ativamente da criação da Fundação Renova. Como se deu isso?
Onofre Alves Batista Júnior: Eu era Advogado-Geral do Estado [de Minas Gerais] quando houve a ruptura da barragem. O Advogado-Geral da União na época, o procurador do Espírito Santo e eu nos reunimos e constituímos um grupo para estudar o caso. Chegamos à conclusão de que a melhor alternativa era chegar a um acordo com a Vale e com a BHP. Passamos, então, a trabalhar na entabulação desse acordo que redundou na criação da Fundação Renova.
Como essa proposta foi construída?
OJ: Os procuradores do Espírito Santo, de Minas e da AGU, nós estudamos os vários casos de tragédia ambiental de que tínhamos notícia, inclusive o da BP nos EUA. E verificamos que, no Brasil, todas as soluções caminhavam para a constituição de fundos, que são administrados normalmente pelo Ministério Público ou pelos órgãos ambientais. Entretanto, pudemos verificar que nesses fundos, após cinco anos, nem 2% dos valores eram executados. E, quando executados, eram gastos com pesquisa, contratação de consultoria ou coisa dessa natureza. Ou seja, absolutamente ineficientes.
Por que isso ocorre?
OJ: Os fundos não funcionam pelas mais variadas razões. Promotor não é gestor público, não pode fazer política pública, e os fundos são de dificílima administração na medida em que é preciso trabalhar com autorização judicial para cada ato, cada movimento. Isso seria impossível de fazer no montante de trabalho que deveria vir nesse caso.
A outra alternativa era entregar para as empresas fazerem [a reparação] e o Estado acompanhar. Mas esse era um caminho que também não nos parecia adequado, pois o negócio da Vale, da Samarco e da BHP é mineração, e não recuperação ambiental.
A saída que se pensou, então, foi a de constituir uma fundação sem fins lucrativos e que tivesse um conselho interfederativo, uma vez que [o desastre] atingiu os Estados e a União, e que esse conselho pudesse acompanhar os trabalhos.
Podemos dizer que esse caso foi inédito?
OJ: Desconheço algo parecido. Do ponto de vista técnico, eu insisto que é indiscutivelmente a melhor alternativa para um caso dessa natureza, mesmo com todas as dificuldades encontradas.
Diante das dificuldades e dos aprendizados desse modelo de governança, o que poderia ser revisto para o processo se aperfeiçoar?
OJ: O grande aprendizado é do próprio Ministério Público, porque o fato de haver cada MP como órgão distinto tornou a solução altamente complexa. Tenho a impressão que, em situações de alta gravidade e alta complexidade, que envolve unidades interfederativas, não é possível a atuação de cada órgão do MP como um órgão independente. É preciso haver um único comando, uníssono, falando por todos, para que se possa chegar em um acordo ideal.