Mais que erguer casas, reassentar é reconstruir lares

Vista aérea das obras do reassentamento de Bento Rodrigues
Foto: Bruno Correa

Os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão devem receber suas casas em novas comunidades em 2020. A expectativa, então, será em torno da adaptação à nova realidade

As famílias de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, subdistritos de Mariana (MG), e Gesteira, distrito do município de Barra Longa (MG), devem receber, no próximo ano, “as chaves” das novas comunidades para que finalmente possam retomar a vida. Cinco anos terão se passado desde o rompimento da barragem de Fundão, um prazo curto para conseguir “varrer a lama” da memória, mas longo para quem está vivendo em um regime provisório e apartado de seus lares e de seu tecido social.

A tragédia que modificou a vida dessas famílias se iniciou em novembro de 2015, em Mariana, quando 40 milhões de metros cúbicos de rejeito saíram da área da mineradora Samarco e atingiram o rio Gualaxo do Norte, causando a morte de 19 pessoas e deixando mais de 500 famílias desabrigadas.

A primeira área atingida foi a comunidade de Bento Rodrigues, localizada a 24 quilômetros de Mariana e a cerca de 5 quilômetros da barragem de Fundão. Aproximadamente 80% do subdistrito recebeu a lama de rejeitos de minério de ferro, que destruiu moradias de 255 famílias, equipamentos públicos, igreja, entre outras construções. Bento Rodrigues tinha sua história ligada às atividades de extração de minérios que tiveram início no século 18. Até 2015, a mineração era responsável por movimentar a economia, além da agricultura familiar e de subsistência realizada às margens de seu principal rio, o Gualaxo do Norte.

Paracatu de Baixo, que fica a 35 quilômetros de Mariana e a cerca de 24 quilômetros da barragem de Fundão, foi outra vila gravemente afetada.  A lama que varreu a área foi responsável por desalojar cerca de 90% da população, obrigando 140 famílias a deixar o local. Subdistrito de Monsenhor Horta, essa vila cresceu às margens do rio Gualaxo do Norte e possuía um centro urbano mais denso, com ruas, calçadas, casas e equipamentos públicos, como praça e escolas. As propriedades rurais, onde trabalhavam agricultores e havia atividades de subsistência, ficavam mais afastadas do centro.

Em Gesteira, a 18 km de Barra Longa e a cerca de 35 quilômetros da barragem de Fundão, 37 famílias, comércio, lotes, igreja, campo de futebol e escola foram atingidos.  Esse não foi o primeiro desastre ambiental que marcou a história do povoado. Em 1979, a vila foi inundada pelo rio Gualaxo do Norte. Os moradores tiveram que se refugiar em um terreno vizinho, localizado em uma parte alta da região, onde reconstruíram casas e espaços públicos. Gesteira, assim, foi dividida em duas: a Velha, a de baixo, e a Nova, a de cima, hoje chamada de Mutirão – que também sofreu danos causados pelo rompimento.

Percepção de tempo

Para quem perdeu tudo, cinco anos é uma eternidade. Mas, para reconstruir, de forma participativa com os atingidos, uma cidade inteira, com ruas, casas, comércio, estradas vicinais e equipamentos públicos (praças, igrejas, rede de fornecimento de água e energia, captação de esgoto etc.), cinco anos ainda é um prazo realista, considerando-se a complexidade de um processo que envolve muitas leis e que passou por uma série de obstáculos, idas, vindas e aprendizados.

Estruturar um sistema participativo é ainda mais desafiador em meio às circunstâncias pelas quais as famílias foram submetidas e aos traumas sofridos em decorrência do rompimento da barragem. Segundo a assistente social especialista em mediação de conflitos Ana Carolina Gonçalves, líder de Diálogo da Fundação Renova em Mariana, além de preparo emocional, o processo de reassentamento exige muito dessas comunidades – que não tinham, em sua maioria, experiência em processos participativos, debates ou relacionamento frequente com instâncias do poder público.

Elementos de governança

Para que o diálogo entre as comunidades, a Fundação Renova, o Ministério Público e as prefeituras municipais pudesse ocorrer logo após o rompimento da barragem, foram constituídas as chamadas Comissões de Atingidos. São grupos compostos por moradores locais, eleitos como representantes das comunidades atingidas. Cabe às comissões discutir temas como escolha da área do reassentamento, projetos, diretrizes e metodologias das atividades, junto às comunidade.

Após validados pelas comissões, esses temas são levados à comunidade para a tomada das decisões em assembleia. Em outubro de 2016, as comissões de Bento e Paracatu passaram a contar com a assessoria da Cáritas Brasileira, que fornece orientações técnicas aos processos. Em Gesteira, a assessoria técnica ficou por conta da ONG Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas).

Para Ana Carolina Gonçalves, um dos grandes aprendizados no reassentamento de Bento Rodrigues é a importância de se incluir todos os responsáveis pelo processo desde o início do trabalho, em vez de os convocar à medida que as necessidades surgissem. “O problema ocorreu em Bento e causou retrabalhos e indisposição junto à comunidade”, afirma. “Essa autocrítica é necessária para as melhorias e correções das atividades” (saiba mais no relato abaixo sobre Bento Rodrigues).

O processo do reassentamento por si só é desafiador, mas a adaptação à nova vida é considerada uma fase crucial para o sucesso de todo o projeto. Por isso, a Renova pretende acompanhar as comunidades por no mínimo dois anos após a entrega das casas, por meio de um monitoramento socioeconômico. Será avaliada a adaptação a casa em si e com o entorno (uso de equipamentos sociais, como escolas).

A manutenção dos espaços coletivos e individuais deve ser um ponto de atenção, uma vez que os reassentamentos não podem gerar ônus às famílias, causando empobrecimento, expondo-as a uma situação de vulnerabilidade ou colocando-as como vítimas de especulação imobiliária. Para estimular o comércio local, a previsão é que os reassentamentos recebam um suporte do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).

Tais processos pressupõem a participação das famílias, para que cada uma ajude a definir os critérios e as características dos reassentamentos. “Os conflitos que surgem nessas relações podem até atrasar um pouco o andamento das obras, mas o processo participativo é o que dará aos reassentados um sentido de pertencimento ao lugar”, afirma a antropóloga dos reassentamentos Bianca Pataro.

Somem-se a isso as dificuldades na administração desse processo. São cerca de 300 contratos de aluguel, com gestão de contas de água, luz etc. É um trabalho complexo de gestão de dados, que exige uma área específica para esse acompanhamento, composta atualmente por sete profissionais.

Saiba mais sobre a história e a reconstrução das três comunidades atingidas clicando nos links abaixo.

Bento Rodrigues: aprendizados

Distrito de Bento Rodrigues, parcialmente destruído pelos rejeitos do rompimento da barragem de Fundão (Foto: Gustavo Baxter)

Cerca de meia hora depois do rompimento da barragem de Fundão, a vila de Bento Rodrigues foi atingida. O povoado ficava em uma área aberta e ampla, antes de um vale estreito do rio Gualaxo do Norte. No afunilamento do rio, materiais trazidos pela onda de lama, como árvores e veículos, formaram uma barreira, provocando o retorno do fluxo de rejeitos. A onda atingiu novamente a comunidade, dessa vez, de baixo para cima. A dupla passagem violenta da lama por cima da vila permite compreender imagens que correram o mundo, como a do carro sobre o telhado de uma casa.

Pouco sobrou da localidade. Ao todo, 80% da comunidade foi atingida e 255 famílias perderam suas moradias. Cinco pessoas morreram no subdistrito. No mesmo dia do rompimento, os moradores foram deslocados para Mariana e abrigados inicialmente em ginásios e, depois, em hotéis e pousadas. No mês seguinte, antes do Natal de 2015, todos estavam acomodados em casas alugadas e já havia se formado uma Comissão de Atingidos, com representantes da comunidade. A comissão passou a ser interlocutora da Samarco e do Ministério Público de Mariana e a reconstrução tornou-se prioridade nas tratativas.

Em um reassentamento, há três grandes marcos: a escolha da área, a elaboração do projeto e a construção em si. O primeiro passo foi definir critérios com a comunidade para selecionar o local da nova sede. Isso foi feito por meio de conversas com a Comissão de Atingidos, assembleias e visitas às famílias. De 19 áreas mapeadas, três se destacaram, com base em critérios elencados pela comunidade, incluindo qualidade do solo, a proximidade com a antiga Bento e a facilidade de acesso a Mariana. Em maio de 2016, a comunidade decidiu que Bento seria instalada em uma área conhecida como Lavoura, subdistrito de Camargos.

Seu Zezinho Café relembra do momento em que a lama atingiu Bento Rodrigues

Depois de escolhido o terreno, foi preciso expedir um decreto de utilidade pública e desapropriar a área. Paralelamente, tiveram início oficinas com as famílias para se produzir, posteriormente, o projeto urbanístico do reassentamento. Uma das tarefas foi a autodelimitação das propriedades, isto é, as pessoas marcavam em um mapa com vista aérea onde ficavam suas casas e quem eram seus vizinhos. Outro ponto fundamental consistiu no levantamento de expectativas sobre como queriam reconstruir o povoado, com base em três questões:

  1. O que eu tinha em Bento (no âmbito individual e coletivo)? 
  2. O que eu tinha e quero manter?
  3. O que eu não tinha e gostaria de ter agora no reassentamento?

Segundo a Fundação Renova, esse modelo customizado considera não somente o direito à propriedade, mas tenta recompor o estilo de vida das pessoas. “Além de preservar a mesma relação de vizinhança de antes, a proximidade com a igreja, com os postos de saúde, cada casa está sendo desenhada de forma individual, seguindo o desejo de cada morador”, explica Ana Carolina Gonçalves.

O objetivo do programa de reconstrução de vilas da Fundação Renova, como definido no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), é restabelecer os modos de vida e a organização das comunidades que perderam suas casas pela passagem do rejeito. Assim, moradias e áreas públicas devem atender às necessidades levantadas pelos futuros moradores das três comunidades preservando seus hábitos, relações de vizinhança e tradições culturais e religiosas.

Um passo atrás para poder avançar

Mesmo a caminhada de construção coletiva tem momentos de insucesso. O primeiro projeto urbanístico conceitual elaborado foi descartado pela Comissão de Atingidos, que não se sentiu à vontade com a opção oferecida. Além disso, houve um período em que as conversas entre a Fundação Renova e a comissão foram suspensas, sendo retomadas depois da contratação de uma assessoria técnica para apoiar a comunidade nas tomadas de decisão.

Ficou claro que era hora de começar do zero, estabelecendo uma sintonia mais fina com os moradores. E assim foi feito. O retorno do diálogo se deu em vários encontros com a comunidade, promovidos entre novembro e dezembro de 2016.

O diálogo, explica Maurício Mirra, cientista social e consultor para a Fundação Renova, envolve uma ação que não é só de ouvir e passar uma informação para frente, mas é de construção da compreensão, da participação. “Há quem pense que dialogar é perder tempo, mas não é. Dialogar significa buscar transparência”, afirma.

Um novo projeto urbanístico foi desenvolvido, então, com a participação da assessoria técnica e de toda a comunidade. Em janeiro de 2017, ele sofreu revisões e ajustes solicitados pelo Comitê Interfederativo (CIF), pelas secretarias de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e de Cidades e de Integração Regional (Secir).

Após os ajustes e a consolidação junto à Comissão de Atingidos e à assessoria técnica, os projetos básicos de infraestrutura foram concluídos, dando início ao processo de licenciamento ambiental e à contratação dos serviços. Paralelamente, a prefeitura de Mariana elaborava o projeto municipal da lei de urbanização do terreno de Lavoura.

Em novembro de 2017, foram apresentadas à comunidade duas propostas de projetos em maquetes de como seria a implantação da comunidade. No mês seguinte, a prefeitura sancionou o projeto de lei e, em fevereiro de 2018, o projeto urbanístico conceitual do reassentamento de Bento Rodrigues foi aprovado em assembleia pela comunidade, com 99,44% de votos favoráveis.

Saindo do papel

Ao longo de 2018, seguiu-se para as etapas de licenciamento e preparação das estruturas para o início das obras no terreno Lavoura. Em agosto daquele ano, a Fundação Renova obteve, da Secretaria Municipal de Obras da Prefeitura de Mariana, a liberação para construir o novo distrito.  

A Renova contratou 37 arquitetos que estão projetando individualmente cada uma das 257 casas, conforme a vontade e as necessidades de cada família. Desenvolveu-se uma metodologia para que esses profissionais participassem, com os moradores, de uma dinâmica para recuperar lembranças de como eram suas casas e projetá-las dentro dos padrões atuais de habitabilidade.

Em paralelo, aconteceu o Feirão de Acabamentos, uma espécie de showroom, a fim de que os futuros moradores escolhessem o material de acabamento de preferência. Esses itens precisavam estar detalhados dentro dos projetos habitacionais, que estão sendo encaminhados à Prefeitura de Mariana para requisição de alvará de construção.  

As obras de infraestrutura da comunidade estão em pleno andamento e incluem a redução de impactos ao meio ambiente, a busca a eficiência energética e a melhoria da qualidade do saneamento básico. Para todo o reassentamento, estão sendo criados painéis de energia solar e destinação adequada do corte da vegetação.

Paracatu de Baixo: urbano e rural

Marcas registram o nível da lama que atingiu casas em Paracatu de Baixo. (Foto: Gustavo Baxter)

Localizado a 35 quilômetros de Mariana, o subdistrito de Paracatu integra o circuito turístico da Estrada Real, assim como Bento Rodrigues. A comunidade era dividida pelo rio Gualaxo do Norte em duas áreas: Paracatu de Cima e de Baixo. A primeira, caracterizada por propriedades rurais, com plantios de maior volume e predominância de trabalhadores agrícolas, não foi atingida pela lama. Já a segunda, sim. Paracatu de Baixo contava com um centro urbanizado de maior adensamento, com ruas calçadas, casas, creche, escola, posto de saúde, praça e a Capela de Santo Antônio, além de um campo de futebol. Noventa por cento dessas construções ficaram comprometidas pela passagem da onda de rejeito. A enxurrada de lama desabrigou cerca de 140 famílias.

A assistência emergencial começou em seguida ao rompimento de Fundão. A lama chegou lá no mesmo dia em que vazou, já à noitinha. Defesa Civil e Guarda Municipal se anteciparam em avisar a comunidade. Com isso, foi possível evacuar as casas e evitar mortes.

Os primeiros passos para o reassentamento deram-se em paralelo aos de Bento, começando pelo levantamento de expectativas para escolha do local de implantação, captação e avaliação de áreas, visitas, assembleias, reuniões e distribuição de material informativo sobre as três áreas finalistas — os terrenos Joel, Toninha e Lucila.

O escolhido, por voto secreto, em 3 de setembro de 2016, foi Lucila, aprovado por 103 famílias (73% do total). Com 84,8 hectares, boa topografia e terra para a agricultura de subsistência praticada por muitos moradores, a localidade parecia a solução sob medida.

Menor do que o necessário

Um levantamento de expectativas foi realizado com a comunidade, entre julho e dezembro de 2016, para saber o que se esperava do reassentamento. As expectativas foram validadas em diferentes encontros e o trabalho culminou, no fim daquele ano, com o livro do histórico publicado e tudo aparentemente certo para iniciar o projeto para ocupação do terreno.

A lição aprendida em Bento Rodrigues — de que a construção coletiva é demorada, mas também mais assertiva e aglutinadora — fez com que a Fundação repetisse o modelo de oficinas que havia embasado o segundo projeto urbanístico de Bento. Só que, em Paracatu de Baixo, o projeto é conceitual, pois a área vai conciliar características de um modo de vida rural com benefícios de uma infraestrutura urbana.

Assim, imprimiu-se em papel vegetal o mapa da antiga Paracatu de Baixo e do terreno adquirido. As marcações de restrições técnicas e ambientais foram realizadas e, junto com as famílias, começou-se a montar o quebra-cabeça de demarcar as propriedades e áreas comuns no mapa, sempre atentando para a melhor manutenção das relações de vizinhança e de costumes locais, como a tradicional Folia de Reis.

Seu Zezinho conta como conservou parte de seu patrimônio pessoal após o desastre

A construção participativa durou de janeiro a março de 2017. Quando a prévia estava quase pronta, a assessoria técnica apontou que ali estava contemplado apenas o centrinho urbano de Paracatu de Baixo. O subdistrito, porém, possuía um entorno de sitiantes, que haviam tido suas propriedades atingidas e deveriam ser reassentados.

O trabalho realizado ficou congelado e, de março a maio daquele ano, em conjunto com a Comissão de Atingidos e a assessoria técnica, realizou-se um estudo dos sitiantes, baseado em premissas como:

  • Quem eram?
  • Quais as relações de emprego existentes?
  • Que áreas das propriedades haviam sido impactadas?

O saldo do levantamento mostrou que 20 sitiantes estavam elegíveis ao reassentamento. A inclusão deles, porém, representava um significativo aumento de área e o terreno de Lucila não comportaria tal acréscimo.

Saída criativa

A situação suscitou críticas à competência da Renova, que estaria tentando reassentar Paracatu em uma área menor. Na falta de terreno maior disponível, a saída criativa para resolver a crise que se instalou foi pôr a equipe fundiária novamente em campo, com a missão de comprar terrenos no entorno de Lucila, de maneira a atingir o montante necessário de terras. E assim aconteceu.

Os terrenos estão registrados pela Renova e há um acordo com o poder municipal, para que o local seja classificado como área de diretrizes especiais, um híbrido de rural e urbano que permite, por exemplo, acesso a financiamentos rurais e benefícios agrícolas.

Após todas as providências, o projeto conceitual foi retomado para adequações. As casas permaneceram onde haviam sido estabelecidas e os nomes das ruas continuaram iguais aos usados na antiga Paracatu de Baixo.

Em maio de 2018, começou uma série de oficinas para mostrar o conjunto da proposta à comunidade e confeccionar maquete, cartilha explicativa, vídeo e outros recursos para auxiliar os moradores a compreender o projeto e a opinar sobre o parcelamento do terreno, a concepção de quadras e ruas e o resgate das relações de vizinhança.

Em setembro, o projeto urbanístico foi aprovado pelas famílias de Paracatu de Baixo. O projeto recebeu 97% dos votos. Em novembro do mesmo ano, começaram as primeiras atividades no terreno de Lucila para instalação do canteiro de obras.

Após o desastre, Romeu formou uma comissão para ajudar na recuperação de Paracatu

No início de 2019, foi protocolado para análise da Prefeitura de Mariana o projeto de ocupação do terreno pelos órgãos de licenciamento urbanístico. Além disso, teve início o processo de terraplenagem do canteiro de obras no terreno para receber os escritórios, sanitários, refeitório e o ambulatório para as empresas que vão trabalhar nas obras.

A expectativa é de que Paracatu de Baixo se iguale a Bento no cronograma de obras. Com o projeto conceitual e a licença ambiental aprovados – passos fundamentais para que a licença e o alvará de obras sejam concedidos e para que as obras sejam iniciadas – o desenho dos projetos das casas foi iniciado junto às famílias.

Gesteira: projeto de futuro

Igreja em Gesteira, que foi atingida pela lama após o rompimento da barragem de Fundão (Foto: Bruno Correa)

Situado em Barra Longa, o distrito de Gesteira também tem uma parte alta, que não foi impactada, e uma parte baixa, destruída pela lama de Fundão. Na de cima, moram cerca de 50 famílias. O terreno inferior abrigava oito famílias, a escola, um comércio, 20 propriedades e 11 lotes.

Essa separação geográfica resultou de outro desastre anterior: uma grande enchente do rio Gualaxo do Norte, em 1979. Na época, cerca de uma centena de habitantes foi morar em um terreno no alto de um morro, doado por um fazendeiro da região. Mas houve quem não quisesse se mudar da beira do rio. Por essa razão, surgiram as denominações Gesteira Velha (de baixo) e Nova (de cima).

Com o rompimento de Fundão, apenas a igreja ficou de pé no povoado antigo. Suas paredes externas mostram até hoje o nível a que a lama chegou ali: mais de três metros de altura.

Os desabrigados foram acomodados em imóveis alugados nas proximidades. A Escola Municipal Gustavo Capanema ganhou nova sede, na parte alta do distrito, em dezembro de 2016.

Em Gesteira, quem está à frente das negociações é o Ministério Público Federal, assessorado tecnicamente desde novembro de 2017 pela organização não governamental Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), além da Comissão de Atingidos local, constituída logo após o rompimento.

Terreno complicado

Em junho de 2016, a principal área elegível para abrigar o reassentamento já estava escolhida e passava por estudos técnicos. Era o chamado Terreno dos Macacos, pertencente a um proprietário local que, em agosto daquele mesmo ano, quando estava tudo pronto para o início da discussão do projeto urbanístico com a comunidade, desistiu da venda.

As negociações ficaram paralisadas por quase um ano até que, em novembro de 2017, a assessoria técnica chegou a Gesteira e, juntamente com a comunidade, retomou as tratativas com a Fundação Renova. Paralelamente, o proprietário do Terreno dos Macacos voltou a demonstrar interesse pela venda do terreno que a comunidade escolhera com 95% dos votos. O negócio foi fechado em 2018.

Com um método de trabalho baseado em oficinas de resgate de memória, a assessoria técnica pôs em discussão algumas diretrizes de reassentamento, bem como o universo de elegíveis.

As oficinas com a Fundação Renova, que já haviam começado e estavam em fase de cartografia social, foram interrompidas. Ao contrário dos outros grupos de atingidos, que buscaram o resgate das tradições, Gesteira, comunidade essencialmente rural, optou pelo chamado reassentamento de futuro. Ou seja, os moradores preferiram começar um novo povoado partindo do “zero”.

Outra demanda que chegou nesse mesmo momento foi a de tornar elegíveis ao reassentamento outras 17 famílias, além das 20 já cadastradas inicialmente. Foi uma negociação difícil, pois a questão da isonomia poderia impactar os outros reassentamentos já em fase bem mais avançada. A solução foi trazer as 17 famílias, por meio de uma concessão, à parte da política de reassentamento, o que foi registrado judicialmente.

Com o desdobramento dessa decisão, o Terreno dos Macacos, que era de seis hectares, ficou insuficiente. Houve uma retomada das aquisições fundiárias e outros terrenos foram comprados no entorno, totalizando 40 hectares de área de reassentamento. Em dezembro de 2018, foi concluída a regularização dessa propriedade.

Sabe-se que a comunidade quer um parcelamento rural. Porém, o marco regulatório federal determina que os módulos fiscais em áreas rurais devem ter pelo menos três hectares. Os atingidos querem terrenos de 0,5 hectare. Para avançar nessa demanda, será necessário atribuir aos reassentados a condição de agricultores familiares totalmente dependentes de produção familiar, o que exigirá nova legislação. Só depois de aprovar esse formato legalmente, será possível definir largura de rua, tamanho das quadras, acesso aos bens coletivos, para dar entrada no pedido de licenciamento das obras no Terreno dos Macacos.

Como a comunidade de Gesteira é menor que as demais, a expectativa é de que, apesar do atraso, o prazo de conclusão do reassentamento seja cumprido.